dezembro 15, 2006

Um final em mim.



Começou, existiu e teve um fim. Voltou a começar em mim. Sei que nunca terá um fim, mas posso fazer-lhe uma singela despedida.

Conto os dias [ faltam exactamente 16 ] e até lá revivo tudo. ~ Nos passos que demos nunca nos ocorreu que precisássemos dos pés ~ Cada intervalo de tempo em que a mão ameaçava soltar-se, cada aperto dos corpos no momento em que nada se ouvia . Cada cigarro queimado sem diferença aparente do seguinte. Sofro tudo o que tenho de sofrer para não custar mais. Morro nos ínfimos segundos em que deixo de me esconder na sua sombra. | E depois vivo. | Cravo as letras no papel para as obrigar a saírem de mim. Limpo-me, respiro (...) e volto a esvaziar-me.

Odeio ser, mas sou com todas as forças que posso. Odeio estar, mas estou ! com toda a vontade que possuo. Não choro. Não me dou à importância de afogar os olhos em ti.
[Eu sou.]
Sou melhor e pior e mais amargo. Sou aquilo que construí com estas mãos de criança. Sou tudo aquilo que um dia deixaste para trás. Sou aquele que não vai correr mais.
[Eu quero]
Sinto-me capaz. Agora que te amei mais do que a vida, deixo-te. O simples gesto de te procurar é absurdo. Não te vou encontrar porque não existes. Tu és o que eu sou. Existes em mim e apago-te. Com a simplicidade de quem diz que não, eu digo que é fácil.
[Eu vou]

Simples gotas, simples focos de luz que nos acentuam as linhas da cara.
- Desce daí para te poder arrumar de vez nesta caixa. Desce ou arranco-te as asas. Não sei quem és mas quero-te fora de mim. Preciso do espaço que ocupaste. Leva o que já te pertence e sai sem ter de te pedir outra vez.

Só fazes pó, barulho e vento.

[Eu vou]
Agora paro. Descanso-te, pego num punhado de terra e atiro para o buraco. Volto as costas e não te repito na minha cabeça.

Sou apenas a minha descoberta.

Agora que o fim é certo, recomeço. Passo a vez ao destino. À vontade. Ao querer. Vou ser aquilo que estas mãos gastas construírem. Carrego com mais força no papel. Antecipo um derradeiro ponto final .

dezembro 08, 2006

Monólogos dialogantes

- Escuta… Não ouves?
- Não, ouço-te apenas a ti
- Já não é mau.. Mas presta atenção É ela outra vez..
- Ela? Ela quem? Mas estás parvo?
- Não! A sério.. ouve… já se escutam os primeiros murmúrios… Eu sei.. é preciso muita atenção para nos apercebermos da sua longa e lânguida penetração… Mas ela já cá está… A sério! Não acreditas em mim? Então espera… Vês? Vês, como ela já me arranca as lágrimas? Tenho de confessar que já tinha saudades de as provar… Continuam salgadas.. É interessante como tantas coisas mudam, mas o sabor de uma lágrima é imutável não é?… Espera… não vás! Não tenhas medo! Continuo a ser eu… Por favor.. Espera! Merda! A visão entorpecida inibe-me de distinguir as sombras que vejo. …
Vês? Mais uma vez conseguiste afastar-me dos outros…
- Eu? Mas eles nem me vêm…
- Sim mas tu mudas-me, alteras-me, inibes-me, retrais-me
- Eu? Pedro, eu sou tu, faço parte de ti
- Não!! Não fazes… é impossível
- Eu estou em ti…quando ris, quando choras, quando abraças, quando sofres.. Somos um 2 que é um
- Não pode ser…
- Mas é Pedro… Eu sempre cá estive, tu é que às vezes estás demasiado anestesiado para me sentir.. Mas agora voltei e tu já me sentes… Voltei de um fim que, se existiu, foi um início… Respirarás comigo… Sou o teu âmago… E se o esqueceste, cá estou em para te avivar a memória… Sim, porque o coração… Esse sangra.

dezembro 03, 2006

Dormente



Dormente. Apático e senil. Febril. Doente. Dormente.

Regresso a um passado inexistente. Viajo. Tento lembrar-me e não consigo. Cercam-me resquícios desses tempos. Algumas feridas abertas são tudo o que guardo de uma outra vida. Sinto um dejá vu demasido palpável. Avanço, recuo, balanço. Danço. Tanso. Penso em nós. Os vários nós que a vida me deu e que, com a mesma força, me tirou. Acordo de novo para um sono fiel. Recupero os meus asfixiantes 17 anos. Como um interruptor ligo-me a tudo o que era o antes. Folhas de papel marcham na minha direcção. Palavras soltas que me perseguem. Fantasmas. Caras já sem nome que teimam em não deixar os aposentos do meu ser. Escrevo de novo, porque li, porque me reconheci, porque me lembrei do abecedário da dor. Ela continua em mim, inócua. Deixou partir em seu lugar a paixão. Um nome no telemóvel - Paixão. Era ela a paixão. A minha cólera. A partir de agora será amor, ou razão. Nunca paixão.

Apoio-me aqui e ali e onde posso. A ti e a mim. Apoio-me nos que ficam e nos que não. Vejo-os em toda a parte. Nos que chegam e nos que vão. Comparo-os entre si. Prevejo o fim. Mas não troco estes momentos por um eterno início. Tudo é real até doer, tudo é amor até morrer.
Tinha 17 anos e um nome no telemóvel - Paixão. E nunca cheguei a sabê-la de cor. Adormeço, vencido pela fadiga. Quem diria. 5 meses tornaram-se em 5 anos e eu memorizei-os a todos desde então. Sovado, mas inerte. Dormente.

Dormente porque a dor, mente.